segunda-feira, 15 de abril de 2013

Texto: Não chore papai.... Ativ.aval. de abril 2013


Não chore, papai
Embora você proibisse, tínhamos combinado: depois da sesta iríamos ao rio e a bicicleta já estava no corredor que ia dar na rua. Era uma Birmingham que Tia Gioconda comprara em São Paulo e enlouquecia os piás da vizinhança, que a pediam para andar na praça e depois, agradecidos, me presenteavam com estampas do Sabonete Eucalol.
Na hora da sesta nossa rua era como as ruas de uma cidade morta. Os raros automóveis pareciam sestear também, à sombra dos cinamomos, e nenhum vivente se expunha ao fogo das calçadas. Às vezes passava chiando uma carroça e então alguém, querendo, podia pensar: como é triste a vida de cavalo.
Em casa a sesta era completa, o cachorro sesteava, o gato, sesteavam as galinhas nos cantos sombrios do galinheiro. Mariozinho e eu, você mandava, sesteávamos também, mas naquela tarde a obediência era fingida.
Longe, longíssimo era o rio, para alcançá-lo era preciso atravessar a cidade, o subúrbio e um descampado de perigosa solidão. Mas o que e a quem temeríamos, se tínhamos a Birmingham? Era a melhor bicicleta do mundo, macia de pedalar coxilha acima e como dava gosto de ouvir, nos lançantes, o delicado sussurro da catraca!
Tínhamos a Birmingham, mas era a primeira vez que, no rio, não tínhamos você, por isso redobrei os cuidados com o mano. Fiz com que sentasse na areia para juntar seixos e conchinhas e enquanto isso, eu, que era maior e tinha pernas compridas, entrava n’água até o peito e me segurava no pilar da ponte ferroviária.
Estava nu e ali mesmo me deixei ficar, a fruir cada minuto, cada segundo daquela mansa liberdade, vendo o rio como jamais o vira, tão amável e bonito como teriam sido, quem sabe, os rios do Paraíso. E era muito bom saber que ele ia dar num grande rui e este num maior ainda, e que as mesmas águas, dando no mar, iam banhar terras distantes, tão distantes que nem a Tia Gioconda conhecia.
Eu viajava nessas águas e cada porto era uma estampa do cheiroso sabonete.
Senhores passageiros, este é o Taj Mahal, na Índia, e vejam a Catedral de Notre Dame na capital da França, a Esfinge do Egito, o Partenon da Grécia e esta, senhores passageiros, é a Grande Muralha da China – isso sem falar nas antigas maravilhas, entre elas a que eu mais admirava, os Jardins Suspensos que Nabucodonosor mandara fazer para sua amada, a filha de Ciáxares, que desafeita ao pó da Babilônia vivia nostálgica das verduras da Média.
E me prometia viajar de verdade, um dia, quando crescesse, e levar meu irmãozinho para que não se tornasse, ai que pena, mais um cavalo nas ruas da cidade morta, e então vi no alto do barranco você e seu Austin.
Comecei a voltar e perdi o pé e nadei tão furiosamente que, adiante, já braceava no raso e não sabia. Levantei-me, exausto, você estava à minha frente, rubro e com as mãos crispadas.
Mariozinho foi com você no Austin, eu pedalando atrás e adivinhando o outro lado da ventura: aquele rio que parecia vir do Paraíso ia desembocar no Inferno.
Você estacionou o carro e mandou o mano entrar. Pôs-se a amaldiçoar Tia Gioconda e, agarrando a bicicleta, ergueu-a sobre a cabeça e a jogou no chão. Minha Birmingham, gritei. Corri para levantá-la, mas você se interpôs, desapertou o cinto e apontou para a garagem, medonho lugar dos meus corretivos.
Sentado no chão, entre cabeceiras de velhas camas e caixotes de ferragem caseira, esperei que você viesse. Esperei sem medo, nenhum castigo seria mais doloroso do que aquele que você já dera. Mas você não veio. Quem veio foi mamãe, com um copo de leite e um pires de bolachinha-maria. Pediu que comesse e fosse lhe pedir perdão. E passava a mão na minha cabeça, compassiva e triste.
Entrei no quarto. Você estava sentado na cama, com o rosto entre as mãos. “Papai”, e você me olhou como se não me conhecesse ou eu não estivesse ali. “Perdão”, pedi. Você fez que sim com a cabeça e no mesmo instante dei meia-volta, fui recolher minha pobre bicicleta, dizendo a mim mesmo, jurando até, que você podia perdoar quantas vezes quisesse, mas que eu jamais o perdoaria.
Mas não chore, papai.
Quem, em menino, desafeito ao pó de sua cidade, sonhou com os Jardins da Babilônia e outras estampas do Sabonete Eucalol não acha em seu coração lugar para o rancor. Eu jurei em falso. Eu perdoei você.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Questões do texto A volta.

1. Como uma crônica termina?
2. Em algum momento da crônica você pensou que a história terminaria dessa forma? Comente.
3. Como o personagem se sentiu no final da crônica?
4. Copie do texto o fato que deu humor a crônica?
5. Você já sabe que as crônicas são, geralmente, narrativas breves, com temas relacionados ao cotidiano. Copie a frase a seguir completando-a com uma alternativa adequada dentro do texto. O fato narrado nessa crônica é________________________________________________________________________
6. Na sua opinião , esse fato poderia acontecer na vida real? Justifique sua resposta.
7. A linguagem das crônicas é geralmente mais próximas da linguagem do dia a dia. Copiem do texto exemplos dessa linguagem.
8. A repetição desnecessária das palavras pode tornar a leitura desagradável. Mas nessa crônica a repetição da palavras mesmo tem um propósito. Qual a intenção do narrador ao repetir a palavra mesmo?
9. Aponte no texto o enredo da narração?
10. O clímax é o momento chave da narrativa e no texto. Qual foi esse momento?

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

A Volta texto passado para 4ª fase 20/02/13


A VOLTA
Luís Fernando Veríssimo

Da janela do trem o homem avista a velha cidadezinha que o viu nascer. Seus
olhos se enchem de lágrimas. Trinta anos. Desce na estação – a mesma do seu
tempo, não mudou nada – e respira fundo. Até o cheiro é o mesmo! Cheiro de
mato e poeira. Só não tem mais cheiro de carvão porque o trem agora é elétrico.
E o chefe da estação, será possível? Ainda é o mesmo. Fora a careca, os bigodes
brancos, as rugas e o corpo encurvado pela idade, não mudou nada.
O homem não precisa perguntar como se chega ao centro da cidade. Vai a
pé, guiando-se por suas lembranças. O centro continua como era. A praça. A
igreja. A prefeitura. Até o vendedor de bilhetes na frente do Clube Comercial
parece o mesmo.
— Você não tinha um cachorro?
— O Cusca? Morreu, ih, faz vinte anos.
O homem sabe que subindo a Rua Quinze vai dar num cinema. O Elite.
Sobe a Rua Quinze. O cinema ainda existe. Mas mudou de nome. Agora é o Rex.
Do lado tem uma confeitaria. Ah, os doces da infância... Ele entra na confeitaria.
Tudo igual. Fora o balcão de fórmica, tudo igual. Ou muito se engana ou o dono
ainda é o mesmo.
— Seu Adolfo, certo?
— Lupércio.
— Errei por pouco. Estou procurando a casa onde nasci. Sei que ficava ao
lado de uma farmácia.
— Qual delas, a Progresso, a Tem Tudo ou a Moderna?
— Qual é a mais antiga?
— A Moderna.
— Então é essa.
— Fica na Rua Voluntários da Pátria.
Claro. A velha Voluntários. Sua casa está lá intacta. Ele sente vontade de
chorar. A cor era outra. Tinham mudado a porta e provavelmente emparedado
uma das janelas. Mas não havia dúvida, era a casa da sua infância. Bateu na
porta. A mulher que abriu lhe parecia vagamente familiar. Seria...23
— Titia?
— Puluca!
— Bem, meu nome é...
— Todos chamavam você de Puluca. Entre.
Ela lhe serviu licor. Perguntou por parentes que ele não conhecia. Ele
perguntou por parentes de que ela não se lembrava. Conversaram até escurecer.
Então ele se levantou e disse que precisava ir embora. Não podia, infelizmente,
demorar-se em Riachinho. Só viera matar a saudade. A tia parecia intrigada.
— Riachinho, Puluca?
— É, por quê?
— Você vai para Riachinho?
Ele não entendeu.
— Eu estou em Riachinho.
— Não, não. Riachinho é a próxima parada do trem. Você está em Coronel
Assis.
— Então eu desci na estação errada!
Durante alguns minutos os dois ficaram se olhando em silêncio. Finalmente
a velha pergunta:
— Como é mesmo o seu nome?
Mas ele estava na rua, atordoado. E agora? Não sabia como voltar para a
estação, naquela cidade estranha.

silabas

http://www.youtube.com/watch?v=k2RgNIbXVxU
Alunos aqui está o link para vcs acessarem.